Planador sobre o Atlântico: 22 anos do voo Air Transat 236

Era quinta-feira, 23 de agosto de 2001, quando o Airbus A330-243 da companhia aérea canadense Air Transat partiu às 20h52 (local) do Aeroporto Toronto Pearson para um voo transatlântico até Lisboa. A bordo, 306 ocupantes, sendo 293 passageiros e 13 tripulantes. Nos comandos, Robert Piché, Comandante da operação com 16.800 horas de voo, e Dirk DeJager, o Primeiro Oficial com 4.800 horas de voo.

O A330 escalado para cumprir o TS 236 daquela noite era de matrícula C-GITS. Novíssimo na época, o jato havia sido entregue à Air Transat de fábrica em abril de 1999 e tinha pouco mais de 2 anos de atividade.

Sobrevoando o vasto Oceano Atlântico, tudo parecia transcorrer normalmente, até que mais de 4 horas após a decolagem, o piloto notou um alerta de baixa temperatura e alta pressão de óleo no motor 2 (o da direita). Robert Piché acreditava ser um falso alarme, mas compartilhou a informação com o centro de manutenção da companhia em Montreal, que o instruiu monitorar a situação. O que na verdade estava acontecendo era um “silencioso” vazamento de combustível.

Cerca de 30 minutos após o primeiro alerta, um outro chamou a atenção dos tripulantes: desbalanceamento de combustível. Ainda sem notar o vazamento, os pilotos seguiram o procedimento padrão e transferiram combustível da asa esquerda para a direita, buscando balancear a aeronave. O combustível transferido acabou sendo rapidamente perdido por conta do vazamento.

Às 5h45 UTC, os tripulantes decidiram alternar para o Aeroporto de Lajes, nos Açores, e, três minutos depois da decisão, declararam emergência ao centro de Santa Maria. Minutos depois, às 6h13 UTC, a situação começou a se agravar: o motor 2 parou de funcionar. Naquele momento, o C-GITS estava a 280 km de distância de Lajes e voando a uma altitude de 39 mil pés. Robert Piché iniciou uma descida até 33 mil pés, que seria a altitude correta voar com apenas um motor, calculada com base no peso do Airbus naquele momento. Dez minutos mais tarde, os pilotos declararam Mayday aos controladores.

Às 6h26 UTC, o motor 1 (esquerdo) também parou de funcionar. Começava a amanhecer, quando o pesado A330, com mais de 300 pessoas a bordo, se transformava em um planador sobre o Atlântico. Sem os dois motores, o jato perdeu suas fontes primárias de energia e a Ram Air Turbine (RAT) foi acionada automaticamente, fornecendo energia para os sensores mais críticos e também para os instrumentos de voo, além também para o sistema hidráulico, permitindo assim o controle da aeronave. No entanto, o jato perdeu sua energia hidráulica para os flaps, spoilers e alternante brakes. A escuridão tomou conta da cabine de passageiros, mas foi amenizando conforme o sol nascia. As máscaras de oxigênio caíram acompanhadas de um aflito silêncio deixado com o paralisação dos motores.

Com o bimotor descendo em média 2.000 pés por minuto, os pilotos calcularam que eles teriam entre 15 e 20 minutos de voo. O tempo foi suficiente para o C-GITS conseguir chegar em Lajes. Antes do pouso, Robert Piché fez manobras em “S” e também um 360º para perder a altitude excedente e para reduzir a velocidade da aeronave, que teria apenas uma chance de pouso.

Às 6h45 UTC, o A330 tocou “com força” a pista 33 de Lajes a uma velocidade de 370 km/h sem flaps, sem reverso e sem spoilers. Os freios de emergência foram aplicados e o excesso de pressão fez com que oito pneus estourassem, ajudando o Planador do Atlântico a parar completamente a cerca de 700 m do final da pista. Todos a bordo foram evacuados com segurança e 18 pessoas ficaram feridas. A aeronave sofreu alguns danos estruturais, mas voltou a voar novamente algum tempo depois.

A investigação sobre o caso concluiu que o fato aconteceu por conta do vazamento de combustível no motor 2 causado por uma instalação de um componente incorreto pela manutenção da Air Transat. O motor havia sido substituído por um reserva de um modelo mais antigo. A empresa aérea autorizou o uso de uma peça de um motor semelhante, mas a adaptação acabou, por alguns milímetros, gerando um atrito entre as peças por falta de um espaço necessário entre os componentes. O atrito ocasionou na ruptura na mangueira de combustível que alimentava o motor 2, gerando o vazamento. O relatório ainda apontou que os pilotos também erraram ao demorar para reconhecer o vazamento e por não desligar a válvula cross-feed entre os tanques após a perda do primeiro motor. Ainda assim, ambos foram recebidos de volta no Canadá como heróis e Piché ganhou um Prêmio da Associação Internacional de Pilotos.

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